domingo, 14 de novembro de 2010

Porto. Pensar a Cidade

A discussão sobre a cidade, o planeamento e a requalificação urbana na Área Metropolitana do Porto tem sido realizada e aprofundada dentro dos gabinetes de políticos, de técnicos e de especuladores. Mas raramente é objecto de discussão de forma a reforçar e a valorizar a cidadania daqueles que vivem e trabalham nesta área urbana. Teve, como é do conhecimento de todos, com a Capital da Cultura PORTO 2001, uma excelente oportunidade de meios materiais e humanos para o fazer. Mas realmente, nessa matéria foi uma acção frouxa e medíocre sem sentido social e cultural de cidadania aberta e plural. A programação e os seus respectivos programadores fecharam-se nas suas pequenas torres de marfim e arrogantemente decidiram por todos em nome de uns poucos que olham para a cidade como um pequeno território onde se acantonaram grupos e interesses.
Estas intervenções não foram programadas de forma a potenciar uma maior participação dos cidadãos na vida e gestão do território urbano, bem pelo contrário, assistiu-se a uma lógica de gerir e de programar a partir de um modelo tecnocrático, vertical e mais ou menos deslocalizado da sua base social e cultural de apoio. Em total detrimento da discussão aberta e democrática do pensar e do fazer cidade.
O planeamento, a programação arquitectónica e o urbanismo transformaram-se numa moda, num assunto de profissionais, atrofiando e afunilando desta maneira a discussão e a reflexão da cidade no contexto do espaço público e cívico. Resultando daqui, um profundo sintoma de exclusão cívica e politica dos cidadãos que não foram chamados a participar de forma responsável nas questões da política e da gestão da sua cidade.A cidade enquanto "coisa pública" transformou-se numa matéria subordinada aos apetites da racionalidade funcional do domínio da técnica e da sua burocracia na produção de um planeamento de cosmética e de adorno urbano, servindo estéticas e ideologias mais preocupadas em servir a dogmática expressão de pequenos grupos que usurpam a cidade e decidem pela cidade, em total detrimento daqueles que vivem a cidade.
Este planeamento de cosmética é essencialmente uma forma de acção que visa olhar a cidade como uma estrutura redutora ao serviço de interesses corporativistas e especulativos. Tratamento de pele urbana, de fachadas nos antigos cascos, sem sentido arquitectónico e sem fundamentação teórica que os justifique. Deixando por resolver os problemas estruturais da cidade e respectiva Área Metropolitana, que começa pelo envelhecimento do casco antigo da cidade do Porto e respectivo esvaziamento do centro da cidade. A cidade em termos demográficos é uma espécie de plano inclinado para os terrenos periféricos ao centro do Porto. Deslocando pessoas, equipamentos e infra-estruturas, competindo com a cidade consolidada , abandonando esta aos apetites vorazes da especulação imobiliária.
 Definiram-se programas de conservação e de reabilitação do casco antigo (transformado mais tarde em centro histórico e património Unesco), com leis e regras muito apertadas e selectivas do ponto de vista da intervenção arquitectónica, colocando entraves às seus locatários na melhoria das suas habitações. Contribuindo, desta forma subtil, para o empobrecimento do parque habitacional da cidade antiga e respectiva deslocalização dos seus moradores para os bairros novos construídos na zona Ocidental e Oriental da cidade do Porto. Deixando o caminho livre à especulação e aos interesses imobiliários de grandes grupos económicos e financeiros.
Assistimos, ao crescimento desmesurado das periferias , sem ordem nem lei, sem plano nem projecto, penetrando nos espaços rurais de Campanhã e Aldoar, ocupando estes territórios de forma fragmentada; acelerando a transformação destes territórios para outras funções que não as da sua matriz inicial. Construíram-se, grandes infra-estruturas de engenharia para facilitar as mobilidades inter-urbanas, desde vias rápidas (VCI), acentuando a dependência do transporte privado sobre o transporte coléctivo. Estamos perante a aparência desoladora  e monstruosa das novas paisagens urbanas, configurando inóspitas cidades dormitórios, deslocadas e degradadas.
A ausência de programa político e social para esta nova cidade, acentua o seu estigma de anti-cidade, de morte de cidade anunciada. Uma espécie de invocação da tragédia do homem perante a morte da civitas. A cidade deixa de ser entendida como uma totalidade, perde dimensão holística, em beneficio  da lógica do fragmento, do apontamento urbano e da pequenez da tipologia arquitectónica. A noção do todo perde-se em beneficio da sua parte, consequentemente o urbanismo transforma-se numa caricatura pobre do fazer cidade em detrimento do pensar a cidade.  
Pensar a Cidade como programa global de sociedade urbana, enquanto tarefa nobre da praxis política. Esta prática não se relaciona com o tecnocracismo medíocre, ou simplesmente não pode ser campo de fácil manipulação de gente especulativa, rentista que usam a cidade como uma simples moeda ganho fácil. A cidade não pode ser um campo de especulação económica e financeira, rentável para meia duzias de especuladores imobiliários que a manipulam e a transformam sem sentido civilizacional.  A Cidade é uma civilização inteira em si mesma. Um paradigma civilizacional que modela e abriga.

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