sábado, 12 de dezembro de 2015

PELO DIREITO À HABITAÇÃO - Manifesto

UMA HABITAÇÃO DIGNA PARA TODOS
A HABITAÇÃO É UM DIREITO, NÃO É UM PRIVILÉGIO!


Assembleia do Porto / Lisboa
Pelo Direito à Habitação
19 / 20 de Setembro de 2015



Numa Plataforma Nacional promovida pela Habita, Laboratório de Habitação Básica
 e outras organizações cívicas, reúnem-se na Cidade de Lisboa e do Porto nos dias 19 e 20 de Setembro, inquilinos, comissões e associações de moradores, movimentos cívicos, individualidades, organizações pelo direito à habitação em prol de UMA HABITAÇÃO DIGNA PARA TODOS.

Nesta assembleia pelo Direito à Habitação o objectivo central é discutir de forma aberta, participativa e transversal o acesso a uma habitação digna, num contexto em que, infelizmente temos cada vez mais gente sem casa, e cada vez mais casas sem gente nas nossas cidades.

Perante este grave problema nacional de habitação, faz todo o sentido promover uma discussão pública em torno do direito à habitação a partir do Capitulo III – Direitos e deveres sociais consagrados na Constituição da Republica Portuguesa.

Especificamente o artigo 65, ponto um: «Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».

O Manifesto coloca estes sete pontos em discussão e aprovação pública, de forma a contribuir para a criação de uma Agenda Nacional Pelo Direito a uma habitação digna para todos sem excepção.


 Pontos para discussão e aprovação no Plenário do Porto

(1)    Revogação do Regime de Arrendamento Urbano (Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, retificada pela Declaração de Retificação n.º 59-A/2012, de 12 de outubro); e da Lei n.º81/2014 – que estabelece o novo regime do arrendamento apoiado para a habitação.

(2)    Promover a reabilitação da habitação pública dos centros urbanos em detrimento das actuais políticas de “fachadismo” nos blocos de habitação social promotoras da exclusão social;

(3)    Criação de instrumentos legais para agilizar a libertação das pessoas perante as hipotecas das casas;

(4)    Garantir uma política de socialização dos solos em articulação com as taxas sobre imóveis devolutos, em ruína ou em abandono nos centros das cidades de forma a evitar a especulação e a gula imobiliária;

(5)    Combater os fenómenos de expulsão da população dos centros urbanos através do controlo dos arrendamentos turísticos;

Temos assistido a uma rápida substituição dos arrendamentos residenciais para arrendamentos turísticos, conduzindo à forte discrepância entre valores praticáveis para arrendamento turístico e arrendamento corrente. Perante a substituição do arrendamento para habitação pelo destinado a turismo, propõe-se o estabelecimento de cotas de arrendamento para habitação permanente, controlando desta forma, os fenómenos de turistificação e inflação do mercado de arrendamento;

(6)    Promover o arrendamento público, não só garantindo menor especulação do mercado do arrendamento e, consequentemente, maior acesso a rendas controladas, como também a abolição do estigma associado à habitação dita social;

(7)    Garantir uma taxa de esforço na habitação equitativa e adequada às condições socioeconómicas hoje verificadas;


(8)    Promover o direito à habitação com a implementação de políticas de trabalho socialmente digno e estável. Com uma especial atenção para os problemas dos idosos e dos jovens no direito à habitação. 

Agostinho Ricca – cidade, habitação e (com)tradição!



Por Fernando Matos Rodrigues

Falar sobre cidade e habitação a partir da complexa e densa obra construída e projectada do Arqto Agostinho Ricca (1915-2010) é sem dúvida um desafio e uma provocação epistemológica sobre a função da arquitectura e do arquitecto na cidade. É também elaborar uma reflexão crítica e interpretativa sobre as últimas décadas da história da arquitectura na Europa e em Portugal. Enquadrando esse mesmo percurso entre a afirmação do Movimento da Arquitectura Moderna num contexto nacional dominado por uma ideologia conservadora que procurava na memória histórica a afirmação de uma arquitectura revivalista.
Aliás, sobre esta realidade Manuel Mendes, considera que a «partir de meados da década de 40, a casa unifamiliar, isolada ou de continuidade, singular ou agrupada, folclorizada num culto anacrónico e patológico do estilo português e portuense, serviu quase exclusivamente à consolidação-consagração de bolsas-bairros da elite portuense, nomeadamente na zona das Antas no sector oriental da cidade, e na zona de Gomes da Costa no sector ocidental»[1].
Com o advento do Movimento Moderno a arquitectura integra-se num processo de valorização das transformações e das utopias sociais, dá outro sentido estético e ideológico aos pretextos funcionalistas, relaciona-se também com os movimentos plásticos, de forma a construir uma identidade e uma autenticidade arquitectónica, tendo como base a racionalidade construtiva e a produção estandardizada.
É neste contexto internacional de forte criatividade e inovação conceptual e construtiva, que a obra de Agostinho Ricca se integra e evolui de forma a acompanhar as contradições e as limitações espitemológicas de um programa de arquitectura que se pretendia simbólico e fracturante.
 Agostinho Ricca vai desta forma construir um pensamento arquitectónico que tem a sua genealogia no Movimento Moderno. É um arquitecto claramente empenhado no e do movimento moderno. Neste sentido, vai acompanhando as contradições e as redundâncias, as crises e as mudanças desse mesmo movimento, dando força a uma necessidade de superar esses obstáculos com a afirmação e a valorização das suas preocupações funcionais e construtivas inseridas numa sensibilidade arquitectónica que se traduz na valorização do desenho, da expressividade, da luz e da poética dos detalhes construtivos dos novos materiais que utiliza nas suas obras.
Daí se pode afirmar, que o desenho na obra arquitectónica de Agostinho Ricca é uma espécie de ortopedia dos sentidos, como possibilidade construtiva de epifanias da luminosidade espacial. A arquitectura assume com Ricca o seu lado mais poético e imagético, dando sentido antropomórfico aos espaços interiores que constrói em relação profunda com a natureza dos materiais: o betão, a madeira, o vidro, o tijolo maciço e o aço. 
 Agostinho Ricca, faz-se arquitecto com uma arquitectura na e para a cidade. Num país que vive em profundo anacronismo estético e ideológico, ancorado ainda numa estrutura social e política pré-moderna, que não aceita e repudia as gerações novas, que persegue e exclui as utopias sociais. Um país que recusa o novo da modernidade e que se refugia na identidade e na memória manipulada ao serviço de uma pátria que já não era de Junqueiro nem de Álvaro de Campos.
Lá “fora” o tempo era de mudança e de complexidade. De inovação e de criação transversal a todas as artes. José António Bandeirinha, considera que no moderno «mais do que uma colecta de modelos em mimese formal, lexical ou normativa, ganhava corpo, um sistema de aproximação entre método e obra que encadeava o devir social, as práticas projectuais, as percepções do espaço, a identidade e a autenticidade das matérias, as actualizações racionais da capacidade construtiva, a produção estandardizada, as tentativas de normalização dimensional, e, por último, a expressão plástica potenciadora pela descoberta da adaptabilidade dos novos materiais»[2]. Com o advento da modernidade criam-se condições para a recusa das convenções do passado, em benefício da utopia social e urbana.
Neste vértice de crise da modernidade, Agostinho Ricca vai se confrontar a si e à sua obra, com um pensamento moderno já dominado por um conjunto diversificado de problemas e de contradições. Contradições, essas, que estão na origem da sua crise ou da sua transformação como Homem e como arquitecto. É o aparecer de um conjunto de redundâncias técnicas que opunham racionalismo versus naturalismo, expressionismo versus estilo internacional, funcionalismo versus organicismo. Manuel Mendes, sobre o projecto em Agostinho Ricca, para uma casa em andares de duas frentes na Rua de Fernão de Magalhães (1945)[3], se dá conta do duro constrangimento portuense, é também o grito do homem moderno que «corre, em vão, atrás de um presente a cada instante cheio de uma fabulosa e excessiva riqueza, em face da qual morre de sede» (E. Lourenço)[4].
Contudo, a arquitectura assume um corte com o dogmatismo inicial do Movimento Moderno assente na Carta de Atenas, com o entendimento de que a arquitectura é também o resultado de um sistema complexo, de relações que torna possível a integração da técnica e das artes. O princípio de que a forma era «razão mais que suficiente» para satisfazer as exigências da qualidade espacial, deixa de responder às suas preocupações da qualidade espacial e poética na sua arquitectura.
Em Portugal, a década de 50 vai ser um período de transição e de forte reflexão critica para com o jovem Arquitecto que inicia a sua aventura como professor na Escola de Belas Artes do Porto. A crise do Movimento Moderno na Arquitectura,  dá origem a um processo de procura de referencias locais, de contextualizações dando origem a explorações organicistas e regionalistas criticas que vão ter no Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa (1955 e editado em 1961) o seu marco referencial para abrir o caminho a uma ruptura e a uma transformação de todo o pensamento do programa arquitectónico moderno nacional com uma vertente mais humanista e cultural. Esta crise do Movimento Moderno assinala em Portugal o retomar do sentido integrador que parece constituir uma constante da arquitectura portuguesa[5]. Na cultura arquitectónica portuguesa está bem presente a confrontação entre dois lados bem distintos. De um lado a questão da tradição construtiva e do outro lado, a questão da modernidade e do regionalismo. É neste ambiente de resistência face a um conservadorismo oficial, e também a um esquematismo do Estilo Internacional que nasce o Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa.
Neste contexto, o arquitecto e a sua obra dialogam com a cidade, com a rua, com o lote em branco que se deseja ser cidade. Procura fazer do desenho uma aproximação ao lugar, ao sítio, dialogando com os contextos e com as identidades construídas da envolvente, sem constrangimento e sem oposições dogmáticas e híper racionalistas. O projecto é um instrumento ao serviço da harmonia, da beleza e da integração das massas e dos volumes em contextos de cidade. O projecto é assim, uma obra singular que se afirma na cidade com essa vontade forte de também querer fazer cidade. Jacinto Rodrigues integra a arquitectura de Agostinho Ricca, na conjugação dos princípios da racionalidade do moderno, na multiformalidade do organicismo e na poética construtivista. Projectando novas formas, novas espacialidades, novas linguagens que se traduzem numa gramática expressiva e harmónica de grande densidade poética, capaz de criar outras escalas e outros volumes, outros detalhes e outros cenários. A sua arquitectura permite ao Homem experienciar outras experiencias espaciais com a criação de cenários de grande intensidade espiritual e estética como é o caso do Parque Residencial da Boavista (anos 60 e 70). Permite a descoberta de outros territórios, de outros contextos, outras interioridades, de outras circulações e de outras interacções. Estamos perante uma nova concepção do espaço, da cidade e da habitação.  Um polimorfismo espacial que se conjuga com uma hierarquia espacial, de espaços de dentro e espaços do fora, uma taxonomia construída a partir de horizontalidades semânticas e de verticalidades graficamente evoluídas para um sentido escultórico do objecto arquitectónico, mas integrador do habitar no contexto urbano. O exemplo, que melhor traduz este sentido de topos, é o caso do Edificio de habitação Montepio Geral, construído em 1960-61, na Rua Júlio Dinis no Porto. Com esta intervenção arquitectónica procurava-se a afirmação de que a arquitectura deve dialogar e se possível deve inscrever-se num lugar, num sítio, numa história e numa cultura. Estamos na presença de uma construção que faz a articulação entre o espacial e o social, o consolidado e o emergente, o contínuo e o descontínuo, o fragmento e o todo absoluto.
A construção remete para os padrões do movimento moderno, no etanto, a concepção global , organizada em função do lote, do sitio, da rua, representa uma evidente libertação dos princípios ortodoxos dos CIAM, propondo uma noção de espaço mais organicista, onde o detalhe, o ritmo, a harmonia como que procuram a construção poética dos sentidos. Estamos a falar dos casos do Edificio de Moradias, construído em 1949 na Rua João de Deus. Um bloco de moradias unifamiliares, onde o sistema é o esquerdo-direito, com escada principal. Com este sistema evitam-se custos com a construção de galerias, desperdício de espaço, evita-se a uniformidade das tipologias, garante-se uma relação mais directa com a rua, com a cidade e o mundo exterior. Valorizando a individualidade da pessoa, integrando-a em espaços com identidade urbana significativa e desta forma garantia o direito à cidade. Num espaço heterogéneo que se materializa em forma de concha onde o ser é “coisa” heterotopica.
Estamos na presença de uma arquitectura de grande complexidade poética que nos remete para a valorização de um sentido de Tempo e de Espaço. Integrado numa fenomenologia de um espaço luminoso, etéreo e cosmológico.







[1] Cf. Manuel Mendes, Guia de arquitectura Moderna Porto 1901/2001, Porto, edição Ordem dos Arquitectos e Editora civilização,  2001.
[2] Cf. José António Bandeirinha, “A Arquitectura Moderna: o grau zero da memória”, in Arquitectura Moderna Portuguesa 1920/1970, p.24
[3] Esta casa não passou de projecto, isto é, não veio a ser construída.
[4] Cf. Manuel Mendes, Op. Cit. 2001.
[5] Ver o caso paradigmático da Casa que Nuno Portas e Nuno Teotónio Pereira projectam para Vila Viçosa , em 1958, onde pela primeira vez é encarado o processo de humanização em curso com um realismo sem precedentes  e assim, se transformando em tese experimental. A importância de responder ao problema colocado pelo sitio, pelo ambiente e pela cultura dos utilizadores, opondo-se claramente à moda de conseguir artificiais efeitos plásticos, ao gosto dos funcionalismos do Estilo Internacional. 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Ilha da Bela Vista - com obras de reabilitação a partir de um programa de arquitectura básica participada

A Ilha da Bela Vista encontra-se desde o mês de Novembro em obras de reabilitação / requalificação através da implementação de um Programa de Arquitectura Básica Participada, no âmbito do projecto desenvolvido entre o Laboratório de Habitação Básica e o Gabinete de Arquitectura IMAGO. Este programa tem como coordenadores Fernando Matos Rodrigues (Lahb), Ant. Jorge Fontes e André Fontes (Imago), numa relação institucional com a Câmara Municipal do Porto (Pelouros de Habitação, Urbanismo e da Cultura) e a Associação de Moradores da Ilha da Bela Vista.

O programa de reabilitação da Ilha da Bela Vista obedeceu a um trabalho de equipa transdisciplinar de pesquisa na definição e na procura de uma solução projectual que conduzisse a um plano de requalificação de todas as casas, de todos os espaços colectivos na ilha em função das aspirações e expectativas dos seus moradores.

Estava-mos perante um problema de intervenção, de transformação de um conjunto de casas, integradas em banda, com tipologias diferenciadas, com espaços exteriores singulares onde se organizava e estruturava a vida de uma comunidade secular. Neste sentido, toda a intervenção devia ter como orientação esse fio de memória enquanto exercício de incorporação de habitus, de usos, de apropriações, de forças, de presenças, de formas de apropriação e de organização de todo um espaço que se quer habitável a uma comunidade singular. 

A procura de uma solução arquitectónica de reabilitação/renovação da Ilha da Bela Vista, partiu sempre desta valorização interactiva do contexto-ilha com o contexto rua-cidade. Sempre na tentativa de compreender e interpretar as formas como estes moradores resolviam os seus problemas do habitar e a partir daí incorporavam uma qualidade de viver que lhes era necessária.

 Fosse o uso de persianas, os cobertos de entrada nas casas, os bancos no exterior, as portas com janelas, o uso de cortinas em substituição de paredes e de portas, possibilitando ganhos de espaço e de ambiente, a complexidade e a diversidade dos espaços interiores, dotados de funções múltiplas. 



















As obras dizem respeito à implementação da 1.ª fase de reabilitação da Ilha da Bela Vista, Rua D. João IV, Bonfim - Porto.