quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Heterotopia E Cidades Invisiveis. Polifonia de espaços urbanos caóticos

    Este texto é um resumo de uma conferencia que fiz na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2005), e mais tarde publicada em livro, com edição da Universidade do Porto/FCT, sob a coordenação cientifica do Prof catedrático Victor Oliveira Jorge. Optamos aqui, por traduzir o essencial da nossa perspectiva sobre estas questões da cidade, da globalização e dos novos lugares numa sociedade globalizada e em rede. 

1.Incipit


Num tempo em que assistimos a uma invocação nostálgica da valorização do espaço público em detrimento do espaço privado. Alguns autores defendem inclusive que estamos, perante a reivindicação de um conceito central de aspiração democrática (Rabotnikof,2005: 9 e ss.). Onde as arquitecturas se apresentam como suportes publicitários de iamgens e conteudos difusos e muito sedutores. A tecnologia desdobra-se na procura e na concretização de novas linguagens arquitectónicas, que alguns autores ousam em classificar de arquitecturas globais, de arquitecturas de comunicação, de arquitecturas de contaminação e por último de arquitecturas hibridas (Montaner,1999: 94 e ss.).
O  espaço urbano que integra o Grande Porto, organiza e configura o seu território em função de uma dimensão de imaginário social onde domina uma desordem urbana, que faz acentuar os seus fragmentos num caleidoscópio de ordens possíveis, isto é, uma espécie de heterotopia que estrutura e dá sentido político a uma realidade metropolitana, onde domina o caos urbano e a dispersão social. Estamos no reino do fragmento, da colagem, do hibrido desconcertante e metaforicamente paradoxal.

2.Lento quasi marcia funebre  


As formas urbanas amontoam-se numa espécie de tiras metálicas transparentes, umas leves e outras muito pesadas, espetando as suas garras e ferindo de morte a sustentabilidade e a biodiversidade ecológica do território metropolitano.
São restos de civilização, são fragmentos de cidades que se instalam ao longo das estradas nacionais e municipais do nosso território. De um lado a cidade em corredor, paralela ao Atlântico, com os seus edificios emblemáticos e os seus passeios públicos, para quem gosta de ir a banhos de multidões; do outro lado, a cidade em perpendicular a esta,confusa, estreita e diminuida na sua função e escala social. Organizada em função de uma ordem  económica difusa e global (Borja e castels,1997; Preteceille,1995; Rodrigues,2001).
No espaço urbano ou urbanizado do Grande Porto, vamos encontrar vários fenómenos de ocupação excessiva e difusa do território, com as suas arquitecturas híbridas de contaminação, com massas e volumes arquitectónicos demasiadamente descontextualizantes. Enfim, todo um mundo arquitectónico e urbanístico feito à imagem de aberrações formais.
Desde a "Rota do Neo-Clássico", uma espécie de "PortoLandia" que vai do alto de Alfena até Paços de Ferreira, um mundo de arquitecturas fantásticas, de representação mimética do passado clássico, que vai buscar os seus elementos decorativos às ordens da arquitectura clássica. São edificios de fachadas monumentais, com acentuada simetria, com colunas de capiteis frondosos, em diálogo com a estrutura racional própria do funcionalismo da arquitectura moderna.
A decoração e os motivos da civilização grega e romana misturam-se de forma ingénua e inconsciente numa síntese de absurdos estéticos dilacerantes. Uma espécie de casas encantadas que nos remetem para um profundo anacronismo espacio-temporal, tipico de uma pós-modernidade tardia.
Espaços difusos e anacrónicos, habitados por uma espécie de arquitecturas de contaminação que nos remetem para uma petrificação antropomórfica da cultura urbana.
Existe aqui uma relação quase linear entre cidade invisivel e cidade abandonada. Do lado de fora, vemos crescer e expandir-se de forma caótica uma cidade invisivel, sem forma e sem sentido urbano. Do lado de dentro, a cidade abandonada é cada vez mais uma realidade patrimonial angustiante.
Alguns autores, classificam este fenómeno urbano, de cidade efémera, ou extensiva, uma natureza urbana acantonada num arquipélago de IPs e de ICs.
Esta imagem urbana materializa-se num conjunto de construções stander, industrializadas, repetitivas, que de forma acelerada (Virilio,2000) contribuem para uma excessiva e rápida uniformidade da paisagem e do território metropolitano, dando origem, hã aquilo que alguns cientistas sociais já classificam de localização da globalização (Jameson,2000; Roseneil,1999).
As relações entre lugar, sociedade e projecto, já não são tomadas em consideração por estas arquietcturas rápidas (light), onde a lógica da velocidade e do consumo imediato e deslocalizado, impõe uma nova ordem social hiper-funcionalista e redutora na forma e expressiva na comunicação.
A determinada altura, aparecem "novos lugares" como que inventados do nada, com o único propósito de se exibirem de forma obscena e hedonista para com aqueles que deslizam nas ICs e IPs do Grande Porto. A transformação, a aparição ostensiva do novo objecto, do novo lugar é a negação do próprio lugar. Assiste-se, a uma deslocação dos lugares e dos modos de vida, daqueles que trabalham e vivem no Grande Porto.
Doravante, os lugares de encontro e de consumo,comprimem-se num só espaço, num só local e num só tempo. Estamos no mundo da cidade intervalo, organizada em função de uma cultura da velocidade e do efémero. Aquilo que Lipovetsky classifica de Era do Vazio, uma espécie de sociedade pós-moderna onde reina a indiferença de massa, em que domina o sentimento da saciedade e de estagnação. Enfim, doravante, é o vazio que nos governa, um vazio sem trágico nem Apocalipse (Lipovetsky,1989:10 e ss.).
A arquitectura transforma-se numa arte de representação, um autêntico teatro do mundo, onde se estruturam e configuram cenografias, memórias do nosso pequeno quotidiano, materializadas em imagens que nos retratam a cidade histórica. Os fragmentos da memória do passado, são manipulados na qualidade de imagem social, isto é, uma espécie de ícone ou mesmo ídolo cultural.
O espaço urbano do Grande Porto transforma-se num imenso oceano de falsos signos, que nos remetem para uma sociedade de consumo,mas também de espectáculo incessante, dominada pela velocidade libertadora do homem em relação ao seu local de residência e de interacção social.
A compressão do espaço e do tempo, liberta os homens e aproximas as culturas, que até então estavam nas antípodas da civilização, e, produz um efeito de mundo-local; com as novas tecnologias é possível aproximar  os locais e converte-los em fenómenos de globalização pacífica. Estamos perante a apologia do lugar único, em função de uma arquitectura globalizante, interactiva e comunicacional na forma e na estrutura. Aquilo, que alguns classificam de nova cidade global ou cidade da informação (Castels,1999).
Onde sociedade pós-industrial e revolução cibernética, nos remetem para um mundo globalizado, sem identidade, sem difenciação,- em suma sem cultura e tradição.
Estamos perante um mundo uniforme, socialmente neutro e territorialmente plano. A perda da noção de limite, de interdito na sociedade pós-moderna remete-nos para uma ausência de marca ou de individualidade dos territórios urbanos e sociais e consequentemente para uma diminuição dos índices de apropriação e de localização.

3.Allegro Eroico


Assiste-se a uma transformação dos arquétipos da cidade e do espaço urbano, pois, doravante os fluxos de movimentos geram processos de indiferença e de exaltação. Os novos espaços urbanos, pensados em função das novas tipologias arquitectónicas visam uma exaltação barroca da sociedade pós-moderna.
A exaltação do espaço de consumo como um  lugar democrático de emancipação e de equilibrio social e cultural. A igualdade do espaço económico dentro do mercado em oposição ao caos e à desordem social.
Estes fenómenos relacionam-se com uma sociedade aberta, em rede que valorize os espaços abertos como expressão máxima da realização do individuo.
Um espaço aberto que corresponda a uma sociedade-rede, enquanto aspiração colectiva de emancipação das condições reais e do espaço físico, aspiração de um espaço aberto democrático e acessivel a todos sem fronteiras nem barreiras, de tal forma que possibilite a circulação de pessoas e capitais.
O espaço aberto é no fundo um processo que conduz à regeneração dos lugares, uma espécie de aparencia de ordem, que nos possibilita ultrapassar os limites dos espaços de transição.
Enfim, uma espécie de modelo ou tipo que nos permite remediar os componentes caóticos da cidade pós-moderna.

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