sábado, 12 de dezembro de 2015

PELO DIREITO À HABITAÇÃO - Manifesto

UMA HABITAÇÃO DIGNA PARA TODOS
A HABITAÇÃO É UM DIREITO, NÃO É UM PRIVILÉGIO!


Assembleia do Porto / Lisboa
Pelo Direito à Habitação
19 / 20 de Setembro de 2015



Numa Plataforma Nacional promovida pela Habita, Laboratório de Habitação Básica
 e outras organizações cívicas, reúnem-se na Cidade de Lisboa e do Porto nos dias 19 e 20 de Setembro, inquilinos, comissões e associações de moradores, movimentos cívicos, individualidades, organizações pelo direito à habitação em prol de UMA HABITAÇÃO DIGNA PARA TODOS.

Nesta assembleia pelo Direito à Habitação o objectivo central é discutir de forma aberta, participativa e transversal o acesso a uma habitação digna, num contexto em que, infelizmente temos cada vez mais gente sem casa, e cada vez mais casas sem gente nas nossas cidades.

Perante este grave problema nacional de habitação, faz todo o sentido promover uma discussão pública em torno do direito à habitação a partir do Capitulo III – Direitos e deveres sociais consagrados na Constituição da Republica Portuguesa.

Especificamente o artigo 65, ponto um: «Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».

O Manifesto coloca estes sete pontos em discussão e aprovação pública, de forma a contribuir para a criação de uma Agenda Nacional Pelo Direito a uma habitação digna para todos sem excepção.


 Pontos para discussão e aprovação no Plenário do Porto

(1)    Revogação do Regime de Arrendamento Urbano (Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, retificada pela Declaração de Retificação n.º 59-A/2012, de 12 de outubro); e da Lei n.º81/2014 – que estabelece o novo regime do arrendamento apoiado para a habitação.

(2)    Promover a reabilitação da habitação pública dos centros urbanos em detrimento das actuais políticas de “fachadismo” nos blocos de habitação social promotoras da exclusão social;

(3)    Criação de instrumentos legais para agilizar a libertação das pessoas perante as hipotecas das casas;

(4)    Garantir uma política de socialização dos solos em articulação com as taxas sobre imóveis devolutos, em ruína ou em abandono nos centros das cidades de forma a evitar a especulação e a gula imobiliária;

(5)    Combater os fenómenos de expulsão da população dos centros urbanos através do controlo dos arrendamentos turísticos;

Temos assistido a uma rápida substituição dos arrendamentos residenciais para arrendamentos turísticos, conduzindo à forte discrepância entre valores praticáveis para arrendamento turístico e arrendamento corrente. Perante a substituição do arrendamento para habitação pelo destinado a turismo, propõe-se o estabelecimento de cotas de arrendamento para habitação permanente, controlando desta forma, os fenómenos de turistificação e inflação do mercado de arrendamento;

(6)    Promover o arrendamento público, não só garantindo menor especulação do mercado do arrendamento e, consequentemente, maior acesso a rendas controladas, como também a abolição do estigma associado à habitação dita social;

(7)    Garantir uma taxa de esforço na habitação equitativa e adequada às condições socioeconómicas hoje verificadas;


(8)    Promover o direito à habitação com a implementação de políticas de trabalho socialmente digno e estável. Com uma especial atenção para os problemas dos idosos e dos jovens no direito à habitação. 

Agostinho Ricca – cidade, habitação e (com)tradição!



Por Fernando Matos Rodrigues

Falar sobre cidade e habitação a partir da complexa e densa obra construída e projectada do Arqto Agostinho Ricca (1915-2010) é sem dúvida um desafio e uma provocação epistemológica sobre a função da arquitectura e do arquitecto na cidade. É também elaborar uma reflexão crítica e interpretativa sobre as últimas décadas da história da arquitectura na Europa e em Portugal. Enquadrando esse mesmo percurso entre a afirmação do Movimento da Arquitectura Moderna num contexto nacional dominado por uma ideologia conservadora que procurava na memória histórica a afirmação de uma arquitectura revivalista.
Aliás, sobre esta realidade Manuel Mendes, considera que a «partir de meados da década de 40, a casa unifamiliar, isolada ou de continuidade, singular ou agrupada, folclorizada num culto anacrónico e patológico do estilo português e portuense, serviu quase exclusivamente à consolidação-consagração de bolsas-bairros da elite portuense, nomeadamente na zona das Antas no sector oriental da cidade, e na zona de Gomes da Costa no sector ocidental»[1].
Com o advento do Movimento Moderno a arquitectura integra-se num processo de valorização das transformações e das utopias sociais, dá outro sentido estético e ideológico aos pretextos funcionalistas, relaciona-se também com os movimentos plásticos, de forma a construir uma identidade e uma autenticidade arquitectónica, tendo como base a racionalidade construtiva e a produção estandardizada.
É neste contexto internacional de forte criatividade e inovação conceptual e construtiva, que a obra de Agostinho Ricca se integra e evolui de forma a acompanhar as contradições e as limitações espitemológicas de um programa de arquitectura que se pretendia simbólico e fracturante.
 Agostinho Ricca vai desta forma construir um pensamento arquitectónico que tem a sua genealogia no Movimento Moderno. É um arquitecto claramente empenhado no e do movimento moderno. Neste sentido, vai acompanhando as contradições e as redundâncias, as crises e as mudanças desse mesmo movimento, dando força a uma necessidade de superar esses obstáculos com a afirmação e a valorização das suas preocupações funcionais e construtivas inseridas numa sensibilidade arquitectónica que se traduz na valorização do desenho, da expressividade, da luz e da poética dos detalhes construtivos dos novos materiais que utiliza nas suas obras.
Daí se pode afirmar, que o desenho na obra arquitectónica de Agostinho Ricca é uma espécie de ortopedia dos sentidos, como possibilidade construtiva de epifanias da luminosidade espacial. A arquitectura assume com Ricca o seu lado mais poético e imagético, dando sentido antropomórfico aos espaços interiores que constrói em relação profunda com a natureza dos materiais: o betão, a madeira, o vidro, o tijolo maciço e o aço. 
 Agostinho Ricca, faz-se arquitecto com uma arquitectura na e para a cidade. Num país que vive em profundo anacronismo estético e ideológico, ancorado ainda numa estrutura social e política pré-moderna, que não aceita e repudia as gerações novas, que persegue e exclui as utopias sociais. Um país que recusa o novo da modernidade e que se refugia na identidade e na memória manipulada ao serviço de uma pátria que já não era de Junqueiro nem de Álvaro de Campos.
Lá “fora” o tempo era de mudança e de complexidade. De inovação e de criação transversal a todas as artes. José António Bandeirinha, considera que no moderno «mais do que uma colecta de modelos em mimese formal, lexical ou normativa, ganhava corpo, um sistema de aproximação entre método e obra que encadeava o devir social, as práticas projectuais, as percepções do espaço, a identidade e a autenticidade das matérias, as actualizações racionais da capacidade construtiva, a produção estandardizada, as tentativas de normalização dimensional, e, por último, a expressão plástica potenciadora pela descoberta da adaptabilidade dos novos materiais»[2]. Com o advento da modernidade criam-se condições para a recusa das convenções do passado, em benefício da utopia social e urbana.
Neste vértice de crise da modernidade, Agostinho Ricca vai se confrontar a si e à sua obra, com um pensamento moderno já dominado por um conjunto diversificado de problemas e de contradições. Contradições, essas, que estão na origem da sua crise ou da sua transformação como Homem e como arquitecto. É o aparecer de um conjunto de redundâncias técnicas que opunham racionalismo versus naturalismo, expressionismo versus estilo internacional, funcionalismo versus organicismo. Manuel Mendes, sobre o projecto em Agostinho Ricca, para uma casa em andares de duas frentes na Rua de Fernão de Magalhães (1945)[3], se dá conta do duro constrangimento portuense, é também o grito do homem moderno que «corre, em vão, atrás de um presente a cada instante cheio de uma fabulosa e excessiva riqueza, em face da qual morre de sede» (E. Lourenço)[4].
Contudo, a arquitectura assume um corte com o dogmatismo inicial do Movimento Moderno assente na Carta de Atenas, com o entendimento de que a arquitectura é também o resultado de um sistema complexo, de relações que torna possível a integração da técnica e das artes. O princípio de que a forma era «razão mais que suficiente» para satisfazer as exigências da qualidade espacial, deixa de responder às suas preocupações da qualidade espacial e poética na sua arquitectura.
Em Portugal, a década de 50 vai ser um período de transição e de forte reflexão critica para com o jovem Arquitecto que inicia a sua aventura como professor na Escola de Belas Artes do Porto. A crise do Movimento Moderno na Arquitectura,  dá origem a um processo de procura de referencias locais, de contextualizações dando origem a explorações organicistas e regionalistas criticas que vão ter no Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa (1955 e editado em 1961) o seu marco referencial para abrir o caminho a uma ruptura e a uma transformação de todo o pensamento do programa arquitectónico moderno nacional com uma vertente mais humanista e cultural. Esta crise do Movimento Moderno assinala em Portugal o retomar do sentido integrador que parece constituir uma constante da arquitectura portuguesa[5]. Na cultura arquitectónica portuguesa está bem presente a confrontação entre dois lados bem distintos. De um lado a questão da tradição construtiva e do outro lado, a questão da modernidade e do regionalismo. É neste ambiente de resistência face a um conservadorismo oficial, e também a um esquematismo do Estilo Internacional que nasce o Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa.
Neste contexto, o arquitecto e a sua obra dialogam com a cidade, com a rua, com o lote em branco que se deseja ser cidade. Procura fazer do desenho uma aproximação ao lugar, ao sítio, dialogando com os contextos e com as identidades construídas da envolvente, sem constrangimento e sem oposições dogmáticas e híper racionalistas. O projecto é um instrumento ao serviço da harmonia, da beleza e da integração das massas e dos volumes em contextos de cidade. O projecto é assim, uma obra singular que se afirma na cidade com essa vontade forte de também querer fazer cidade. Jacinto Rodrigues integra a arquitectura de Agostinho Ricca, na conjugação dos princípios da racionalidade do moderno, na multiformalidade do organicismo e na poética construtivista. Projectando novas formas, novas espacialidades, novas linguagens que se traduzem numa gramática expressiva e harmónica de grande densidade poética, capaz de criar outras escalas e outros volumes, outros detalhes e outros cenários. A sua arquitectura permite ao Homem experienciar outras experiencias espaciais com a criação de cenários de grande intensidade espiritual e estética como é o caso do Parque Residencial da Boavista (anos 60 e 70). Permite a descoberta de outros territórios, de outros contextos, outras interioridades, de outras circulações e de outras interacções. Estamos perante uma nova concepção do espaço, da cidade e da habitação.  Um polimorfismo espacial que se conjuga com uma hierarquia espacial, de espaços de dentro e espaços do fora, uma taxonomia construída a partir de horizontalidades semânticas e de verticalidades graficamente evoluídas para um sentido escultórico do objecto arquitectónico, mas integrador do habitar no contexto urbano. O exemplo, que melhor traduz este sentido de topos, é o caso do Edificio de habitação Montepio Geral, construído em 1960-61, na Rua Júlio Dinis no Porto. Com esta intervenção arquitectónica procurava-se a afirmação de que a arquitectura deve dialogar e se possível deve inscrever-se num lugar, num sítio, numa história e numa cultura. Estamos na presença de uma construção que faz a articulação entre o espacial e o social, o consolidado e o emergente, o contínuo e o descontínuo, o fragmento e o todo absoluto.
A construção remete para os padrões do movimento moderno, no etanto, a concepção global , organizada em função do lote, do sitio, da rua, representa uma evidente libertação dos princípios ortodoxos dos CIAM, propondo uma noção de espaço mais organicista, onde o detalhe, o ritmo, a harmonia como que procuram a construção poética dos sentidos. Estamos a falar dos casos do Edificio de Moradias, construído em 1949 na Rua João de Deus. Um bloco de moradias unifamiliares, onde o sistema é o esquerdo-direito, com escada principal. Com este sistema evitam-se custos com a construção de galerias, desperdício de espaço, evita-se a uniformidade das tipologias, garante-se uma relação mais directa com a rua, com a cidade e o mundo exterior. Valorizando a individualidade da pessoa, integrando-a em espaços com identidade urbana significativa e desta forma garantia o direito à cidade. Num espaço heterogéneo que se materializa em forma de concha onde o ser é “coisa” heterotopica.
Estamos na presença de uma arquitectura de grande complexidade poética que nos remete para a valorização de um sentido de Tempo e de Espaço. Integrado numa fenomenologia de um espaço luminoso, etéreo e cosmológico.







[1] Cf. Manuel Mendes, Guia de arquitectura Moderna Porto 1901/2001, Porto, edição Ordem dos Arquitectos e Editora civilização,  2001.
[2] Cf. José António Bandeirinha, “A Arquitectura Moderna: o grau zero da memória”, in Arquitectura Moderna Portuguesa 1920/1970, p.24
[3] Esta casa não passou de projecto, isto é, não veio a ser construída.
[4] Cf. Manuel Mendes, Op. Cit. 2001.
[5] Ver o caso paradigmático da Casa que Nuno Portas e Nuno Teotónio Pereira projectam para Vila Viçosa , em 1958, onde pela primeira vez é encarado o processo de humanização em curso com um realismo sem precedentes  e assim, se transformando em tese experimental. A importância de responder ao problema colocado pelo sitio, pelo ambiente e pela cultura dos utilizadores, opondo-se claramente à moda de conseguir artificiais efeitos plásticos, ao gosto dos funcionalismos do Estilo Internacional. 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Ilha da Bela Vista - com obras de reabilitação a partir de um programa de arquitectura básica participada

A Ilha da Bela Vista encontra-se desde o mês de Novembro em obras de reabilitação / requalificação através da implementação de um Programa de Arquitectura Básica Participada, no âmbito do projecto desenvolvido entre o Laboratório de Habitação Básica e o Gabinete de Arquitectura IMAGO. Este programa tem como coordenadores Fernando Matos Rodrigues (Lahb), Ant. Jorge Fontes e André Fontes (Imago), numa relação institucional com a Câmara Municipal do Porto (Pelouros de Habitação, Urbanismo e da Cultura) e a Associação de Moradores da Ilha da Bela Vista.

O programa de reabilitação da Ilha da Bela Vista obedeceu a um trabalho de equipa transdisciplinar de pesquisa na definição e na procura de uma solução projectual que conduzisse a um plano de requalificação de todas as casas, de todos os espaços colectivos na ilha em função das aspirações e expectativas dos seus moradores.

Estava-mos perante um problema de intervenção, de transformação de um conjunto de casas, integradas em banda, com tipologias diferenciadas, com espaços exteriores singulares onde se organizava e estruturava a vida de uma comunidade secular. Neste sentido, toda a intervenção devia ter como orientação esse fio de memória enquanto exercício de incorporação de habitus, de usos, de apropriações, de forças, de presenças, de formas de apropriação e de organização de todo um espaço que se quer habitável a uma comunidade singular. 

A procura de uma solução arquitectónica de reabilitação/renovação da Ilha da Bela Vista, partiu sempre desta valorização interactiva do contexto-ilha com o contexto rua-cidade. Sempre na tentativa de compreender e interpretar as formas como estes moradores resolviam os seus problemas do habitar e a partir daí incorporavam uma qualidade de viver que lhes era necessária.

 Fosse o uso de persianas, os cobertos de entrada nas casas, os bancos no exterior, as portas com janelas, o uso de cortinas em substituição de paredes e de portas, possibilitando ganhos de espaço e de ambiente, a complexidade e a diversidade dos espaços interiores, dotados de funções múltiplas. 



















As obras dizem respeito à implementação da 1.ª fase de reabilitação da Ilha da Bela Vista, Rua D. João IV, Bonfim - Porto.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

4 boas razões para lutar pelo direito à habitação

HABITA

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Convocatória : 4 boas razões para lutar pelo direito à habitação

 

|||    Porque a habitação é um elemento fundamental da vida humana

A habitação é um elemento fundamental à vida humana. Sem esta não há segurança, saúde, dignidade, nem a vivência plena de todos os direitos fundamentais. O direito à habitação está consagrado na Constituição da República Portuguesa, assim como no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ambos em vigor na ordem jurídica portuguesa há cerca de quatro décadas.

|||  Porque ter que escolher entre ter comida no prato e pagar a renda da casa é inaceitável

No entanto, a habitação não é um direito garantido às famílias e são cada vez mais as pessoas que enfrentam problemas relacionados com o acesso ou com a manutenção da habitação. Os problemas são múltiplos e verificam-se em todas as modalidades de acesso à habitação - arrendamento privado, arrendamento público/social ou crédito à habitação. Afectam ainda, e de forma particularmente gravosa, quem não consegue aceder a nenhuma dessas modalidades de acesso à habitação.

O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e os municípios, em particular os das áreas metropolitanas do país – Lisboa e Porto -, têm enormes listas de espera de habitação municipal, sem que haja resposta à maioria dos casos. Enquanto isso, multiplicam-se as situações de despejo em especial no arrendamento privado, na habitação social e no bairros auto-construídos. No crédito à habitação, os bancos recebem casas de famílias que já não conseguem pagar as prestações, muitas vezes mantendo parte considerável da dívidas. São crescentes os casos as famílias entram num ciclo sobre-endividamento, para evitar perder a casa. Muitas pessoas afectadas pela falência vêem a sua casa penhorada.

|||  Porque há cada vez mais pessoas sem casa

As políticas de austeridade vieram piorar a situação. Por um lado, o agravamento da situação económica, nomeadamente o aumento do desemprego e a redução dos rendimentos, contribuiu para enfraquecer a capacidade das famílias em fazer face às despesas com habitação. Por outro, as novas leis aprovadas após o início da crise em vez de responderem às dificuldades, protegendo as famílias em situação de vulnerabilidade financeira, vieram antes piorar o cenário. As leis de protecção de famílias sobre-endividadas definiu critérios nos quais não cabe ninguém. A nova lei das rendas aumentou as rendas antigas e facilitou os despejos. Aumentaram os casos de demolições massivas, violentas e racistas em bairros auto-construídos. A lei das rendas sociais manteve os valores de renda muito elevados e tornou mais insegura e precária a permanência continuada na habitação.

A situação relativa à habitação é cada vez mais insegura e precária. Muitas são as famílias que, com rendimentos baixos e cada vez mais reduzidos, despendem mais de 40% do seu salário com despesas de habitação. Não é por isso surpreendente que as pessoas deixem de ter capacidade de pagar a casa, não existindo respostas nem alternativas dignas. Um dos efeitos da inércia face a esta situação de autêntica emergência social é o aumento da sobrelotação: em 2011 haviam mais de 500 mil casas sobrelotadas; hoje, estima-se que esse valor estará perto dos 700 mil. Um outro efeito, ainda mais dramático, é o crescimento do número de pessoas a ficar sem tecto e a dormir na rua.

|||  Porque se não lutarmos o direito à habitação continuará a ser letra morta

Se não dermos visibilidade ao problema, se não o colocarmos na discussão pública, se não chamarmos todos/as a pronunciarem-se, se não nos organizarmos e reforçarmos mobilização, o direito à habitação continuará ser letra morta.

Acreditamos que nós, quem luta pelo direito à habitação, nas suas diferentes dimensões - grupos, associações diversas, comissões de moradores/as, bairros, famílias -, temos de nos juntar, na nossa riqueza e diversidade, e potenciar uma luta conjunta pelo direito à habitação, em articulação com as lutas específicas de cada um e cada uma. Precisamos de trilhar um caminho assente no conhecimento e respeito mútuo; a partilha de análise, de recursos, de estratégias; o exercício da solidariedade nas diversas lutas; a articulação, a acção coletiva e a construção de um movimento social com muitos e muitas protagonistas e lideranças, com diversidade e autonomia.

Apelamos a todas as pessoas e organizações que se identificam com esta causa, que acreditam que a habitação é um direito, para iniciar um processo de luta conjunta.

Propomos a organização conjunta de um ato público pelo direito à habitação, no centro da Cidade (quiçá pelo menos em Lisboa e no Porto), que dê visibilidade às nossas lutas, aos diversos grupos, bairros, associações; que discuta a necessidade de uma nova política de habitação, assim como reivindicações imediatas que respondam à situação de emergência vivida no país, ao nível da habitação.

Essa será também uma oportunidade de interpelar os partidos políticos e candidaturas para esclarecimento de quais as são suas propostas e os seus compromissos em relação ao direito à habitação.

O encontro de preparação da luta pelo direito à habitação realizar-se-á no dia 31 de Agosto, segunda-feira, pelas 18h, na Rua dos Anjos, nº 12 F, Lisboa (Junto ao Largo do Intendente) e no Porto , em local a definir .

Primeiros subscritores da convocatória:

___COLECTIVOS___

Associação de Moradores da Cruz Vermelha
Comissão de Justiça, Paz e Ecologia dos Religiosos/as
Comissão de Moradores do Bairro da Boavista
Habita – Associação pelo direito à habitação e à cidade
Left Hand Rotation
Movimento Uma Vida como a Arte
Precários Inflexíveis
Solid-Associação promotora dos direitos sociais, culturais e laborais
SOS Racismo
União de Sindicatos de Lisboa


___INDIVIDUAL___

Carlos Ferreira Cruz
Catarina Moreira
Cláudia Múrias
Cristina Pires
Fernando Baião
Fernando Matos Rodrigues
Frei Rui Manuel
João Baía
João Edral
Jonas Vosssole
Jorge Falcato
Judite Fernandes
Luísa Rego
Magdala Gusmão
Mamadou Ba
Margarida Garrido
Maria Emília Guedes
Nuno Franco
Paulo Moreira
Ricardo Loureiro
Rui Manuel Rodrigues
Rui Viana Pereira
Sandra Carvalho
Sandra Cunha
Simone Tulumello
Susana Mourão
Vítor Lima
Yves Cabannes

sábado, 7 de fevereiro de 2015

O PROCESSO SAAL 74/76 -um programa de habitação com direito à cidade

 



          FernandoMatosRodrigues[1]


Este trabalho tem como objectivo principal reflectir sobre a Operação SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), enquanto programa de habitação com direito à cidade, que decorreu entre Agosto de 1974 e Outubro de 1976, envolvendo os movimentos sociais, as Comissões e as Associações de Moradores, integrados nos Movimentos pelas Lutas urbanas pós 25 de Abril de 1974 em Portugal, num contexto de profunda carência de habitação nas cidades do Porto e de Lisboa.

Margarida Coelho, responsável pelo SAAL Norte, considerava que no Porto já havia um «passado de luta pela habitação, e uma expectativa na mudança política pós 25 de Abril» Aliás, não é por acaso que as primeiras movimentações se deram nos Bairros Camarários, no dia seguinte ao 25 de Abril, onde viviam algumas milhares de pessoas, sob um regulamento de utilização da habitação, que interferia com a vida privada, atentatório da liberdade e digno de um Estado totalitário (Coelho,1986, p.622). No 1 de Maio de 1974, os Moradores do Bairro Camarário de S. João de Deus, no Porto, manifestam-se junto ao Quartel-General e apresentam o seu caderno reivindicativo, o primeiro contra o regulamento camarário em vigor. Em 26 de Maio, manifestação em frente da Câmara Municipal do Porto contra o regulamento fascista dos Bairros Camarários[2].

Assistisse a um conjunto de manifestações centradas em problemas concretos da habitação, que condicionavam os seus moradores e eram sem dúvida, causa de muita insatisfação popular. Estamos perante a formação de uma maior consciência do direito à habitação e do direito à cidade, que o 25 de Abril de 1974 possibilitou a todos aqueles que se sentiam excluídos de um direito que o próprio Estado não garantia e, indignamente lhes negava. Com o SAAL, a habitação deixa de ser um problema e transforma-se num direito, pelo facto de ser considerada um bem de primeira necessidade.

Nuno Portas considera que «de certo modo, a habitação e, sobretudo, as barracas, foram sempre a grande bandeira reivindicativa ao longo de todo o pós-25 de Abril; já era, de resto, antes do 25 de Abril, uma das maneiras privilegiadas e das poucas admitidas ou toleradas de dizer mal do governo» (1986, p.635). A habitação é assim, entendida nas suas funções mais básicas de elemento material e físico, que permite a construção de um espaço essencial para a reprodução da instituição familiar, e um espaço de integração social e de socialização alargada. O 25 de Abril foi assim, uma espécie de apoteosis da exterioridade absoluta, a mais radical das exteriorizações populares pelo direito à habitação na cidade. Todo o morador, residente nos bairros camarários, nas ilhas, ou nos bairros clandestinos da cidade, utilizou este momento de explosão de liberdade para tomarem consciência dos seus direitos, como multidões sem território, sem cidade, sem habitação, sem lugar; numa cidade que os deslocou, vigiou e marginalizou nos blocos periféricos. Populações errantes, condenadas a dissolverem-se num urbano periférico e desinfraestruturado, excitado por um nomadismo sem fim e sem sentido.

As últimas décadas do Estado Novo foram marcadas por um conjunto de Politicas de Habitação centradas num programa de vigilâncias intensivas em nome da manutenção da ordem pública e da salubridade social que conduziu à destruição de casas, de ilhas, de bairros em nome da salubridade e das políticas higienistas da época. Deslocando os moradores da cidade para as periferias desumanas, densificadas por blocos em altura tipo gavetas onde se arrumavam famílias, homens, mulheres, crianças e velhos. Rompendo com laços de vizinhança e de família, empurrando os antigos moradores das ilhas para uma situação social de desterrados da vida urbana. O problema da habitação em Portugal era muito grave, com um Estado e respectivas Câmaras Municipais sem capacidade de darem resposta na proporção adequada ao problema que se agrava com a concentração das classes rurais que se deslocam do campo para a cidade. As medidas do Estado Novo concentradas nas Politicas de habitação com o programa das casas económicas do ministro Cancela de Abreu não foram suficientes e justas na distribuição e na resolução do problema da habitação, pelo contrário agravaram o problema com a deslocalização das populações que viviam no centro das cidades para os bairros periféricos à cidade consolidada. Mais tarde com as Politicas de Melhoramentos do ministro Arantes de Oliveira o programa desenvolvido na habitação em blocos levou à concentração, à exclusão de muitas famílias que moravam no centro da cidade do Porto e que foram empurradas para fora da cidade, integradas em blocos e sujeitas a regulamentos que condicionavam a liberdade dos seus moradores desde o espaço interior das suas casas até aos espaços colectivos.

No Porto o problema da habitação concentra-se  no Plano de salubrização das "Ilhas" de 1956 com a remodelação urbanística da cidade tendo como objectivos «como a melhoria das condições de alojamento de uma parte importante dos seus habitantes moradores nos bairros mais antigos e nas tradicionais ilhas portuenses». Este plano enquadrava-se numa visão mais ampla de requalificação da cidade, mais especulativa e imobiliária, pela vontade dos poderes na afirmação de «valorização da cidade velha, os de trânsito, os de expansão da cidade», em sintonia com a remodelação urbana da cidade fisica e social centrada na «luta contra a insalubridade inaceitável e perigosa, quer sanitária quer moralmente, duma forte percentagem da população de mais modestos recursos, alojados nas ilhas». A insatisfação começa com as rendas excessivas para as camadas populares insolventes, com regulamentos centrados no higienismo social e na salubridade pública que comprometiam a liberdade dos moradores e a sua identidade social e cultural. Com a exclusão dos antigos moradores do centro da cidade, onde viviam e onde trabalhavam e tinham já estabelecido vínculos de integração e de socialização fortes com a cidade. Estes fenómenos levou ao aparecimento de movimentos sociais, segundo Nuno Portas que «contestam o regime em torno do tema da habitação, quer pelo lado da exigência de nova habitação, quer pelo lado da ocupação das devolutas, quer pelo lado da problemática das rendas, especialmente dos sub-alugas, no caso do Porto» (1986, p.636).

            O Programa SAAL vem sem dúvida centrar o problema da habitação no contexto do Direito à Cidade e no Direito á Habitação, apresentando um programa de habitação para a cidade e para as classes insolventes que pela primeira vez se ajusta à realidade social e económica destas classes desfavorecidas, marginalizadas pelo mercado de arrendamento e pelas políticas de habitação que não lhes garantiam um direito à habitação na cidade. Esta consciência de luta social organizada, ganha expressão e consciência, quando dela resulta a conquista de um direito a uma habitação digna. A expressão «POPULAÇÃO ORGANIZADA, HABITAÇÃO CONQUISTADA», traduz bem esse processo de luta social em torno da habitação. Valorizando o descontentamento, ouvindo os moradores, reforçando as Comissões de Moradores e as suas Associações em sintonia com as Brigadas Técnicas do SAAL que em mediação e participação davam origem a programas de habitação integrados na cidade para as classes mais pobres. Neste sentido, o 25 de Abril desencadeia uma nova fase de luta pelo direito à habitação marcada fundamentalmente, pela poderosa iniciativa dos moradores dos bairros pobres que se organizam e levam a cabo processos reivindicativos e acções sucessivamente mais agressivas que o então articulado aparelho de estado dificilmente podia conter[3].
Um Programa de habitação complexo, mas com uma metodologia simples mas eficiente na forma como envolveu as partes na resolução do problema da habitação popular. Um programa que defende a participação na definição do programa que se quer e onde se quer instalar, com as populações a decidirem pelo direito à cidade. Com a possibilidade de expropriação e tomada de posse do solo urbano necessário à implantação  e ao desenvolvimento desse mesmo programa. Nuno Portas assume que se tratou de «uma iniciativa do governo, com um caracter experimental», daí toda a sua informalidade e capacidade de se adaptar às situações, com uma originalidade e criatividade específicas, contextualizando as soluções das suas operações. Referindo que, «os projectos iniciavam-se logo que se constituíam as comissões de moradores, os terrenos estavam a escolher-se e, entretanto, iam-se preparando os decretos que deveriam consolidar o processo» (1986, p.637).

Estamos perante o Direito ao uso do solo urbano por parte das camadas populares da cidade do Porto, acontecimento verdadeiramente revolucionário, no sentido amplo do termo. Pela primeira vez a distinção entre cidade e urbano, entre cultura urbana e territorialidades urbanas, entre classes integradas e classes desintegradas, entre aqueles que possuem o direito ao solo urbano e aqueles que são excluídos desse direito, deixam de ter algum sentido social e político. É a plena democratização do solo urbano, é uma espécie de reforma agrária da cidade que possibilita a ocupação de casas abandonadas e a posse imediata do solo disponível para a instalação de casas para as famílias que viviam na cidade sem conforto, sem qualidade, sem uma habitação digna desse nome.  Nuno Portas, considera que um dos problemas mais importantes do Programa SAAL é aquele que tem «uma incidência urbanística do problema», isto é, «trata-se de reconhecer um direito à permanência no sítio que as comunidades já habitavam ou, o que é o mesmo, tratava-se de reconhecer uma certa continuidade às comunidades que viviam em condições de habitação más, mas em áreas que muito provavelmente lhe serviam.

Este reconhecimento do direito ao sítio era também um pau de dois bicos». Portas abria assim, a possibilidade de as populações poderem escolher outra solução fora do lugar de origem. Com todos os problemas que daí podem vir, desde a deslocalização por interesses imobiliários, ou por pressão política dos planos ao serviço de outras estratégias urbanas. Programa SAAL desde cedo se transforma num processo de participação activa pelo direito à cidade e à habitação na cidade. O espaço social ocupa as preocupações das jovens brigadas técnicas, que envolvida neste imaginário de liberdades plenas acredita na transformação, na revolução, na arquitectura como instrumento para a democratização do direito à habitação daqueles que foram sempre estigmatizados e excluídos de uma habitação digna.

A nossa intervenção neste Congresso não pretende ser uma celebração nostálgica do SAAL, mas um pretexto para aprofundar e valorizar os instrumentos de mediação e participação em função de um conjunto de práticas arquitectónicas que tinham como princípios fazer uma arquitectura de baixos custos e sem grande manutenção, onde a simplicidade do desenho não fosse um bloqueio à criação poética das formas arquitectónicas, mas cujo objectivo principal era resolver o problema da habitação das classes pobres e insolventes das nossas cidades.

Hoje, podemos de novo, levantar a questão da necessidade de re-inventar processos e instrumentos da arquitectura participada na resolução dos problemas que afectam as classes excluídas do direito à cidade e do direito à habitação, de forma a possibilitar que a habitação digna se transforme num bem social por direito, cumprindo com os acordos internacionais que o governo da nossa república subscreveu.

            O problema da relação entre propriedade fundiária e poder político está cada vez mais actualizado, e as vitimas já não são só as antigas classes populares, mas todos aqueles que são excluídos do direito à cidade e à habitação (jovens estudantes, famílias da classe média, quadros superiores e operários qualificados e não qualificados, mulheres e crianças). Estamos perante processos de marginalização e de segregação na cidade. Com a existência de conflitos abertos entre os interesses da promoção imobiliária e os instrumentos da burocracia politica que define planos e investimentos públicos sem coesão social.

Ainda, sobre a problemática da cidade e da habitação, Siza Vieira (1986, pp. 37 e ss.), considera por exemplo, que «a existência de duas cidades: a aparente e representativa e a cidade escondida dos interiores de quarteirão, dos pátios e das ilhas» nos deve conduzir para uma reflexão séria em torno da habitação e do direito à cidade, única forma de combater a deslocação e a exclusão das classes operárias (“insolventes”) do direito à habitação digna na cidade do Porto.

Siza Vieira coloca o acento na valorização do direito à cidade independentemente da sua relação com a rua, com o quarteirão. Este direito à cidade é também um instrumento de resgatar a cidade escondida, a cidade dos outros, a cidade marginalizada. Para Siza a intervenção arquitectónica deve ser um instrumento para fazer cidade, para cozer a cidade nas suas diversidades espaciais, sociais e culturais.

Para Siza Vieira (1987, p.37) a arquitectura só se legitima como disciplina, como linguagem e gramática ao serviço da cidade, quando se transforma num instrumento que «transforma a cidade, lugar por excelência da Arquitectura». Afirma, também que «o arquitecto não pode actuar (participar) imitando a espontaneidade que não tem; nem fechando-se numa produção supostamente erudita, quando a transformação da Arquitectura e da Cidade sempre assentou no cruzamento, mestiçagem, inovação e continuidade, procura de resposta aos problemas do quotidiano e ânsia de aventura» (1987, p.39).  

Siza Vieira interioriza e objectiva de forma lucida o problema da habitação na cidade quando nos fala desta «cidade marginalizada e tolerada». Mas como o próprio atira de seguida, «indispensável ao desenvolvimento da cidade». Enaltece a resistência da cidade, perante os escassos meios à disposição de programas com objectivos de construção de pequenas unidades de habitação periférica, onde predominavam regulamentos de controle fascista.[4]

Siza Vieira relaciona o aparecimento da Operação SAAL no contexto da crise de Arquitectura e da Cidade Contemporânea, o que conduz a uma espécie de sobressalto, que encontra em Portugal, depois do 25 de Abril de 1974 um clima favorável para a experiência, inovação e abertura na procura de novas soluções. Siza Vieira (1987, p. 39) afirma que «não creio distorcer a realidade, ao afirmar que esse período criativo participativo, de exteriorização da cidade escondida, num percurso da casa pobre ao Plano, quase não tem seguimento».

No contexto da Revolução do 25 de Abril de 1974, o problema da habitação na cidade do Porto ganha uma dimensão social, política e cultural que mobiliza milhares de moradores das “Ilhas” da cidade e associações de moradores dos bairros populares pelo direito a uma habitação digna. Poderemos considerar que se tratou de um verdadeiro e complexo movimento social urbano em torna de «Casas Sim, Barracas Não».

Esta consciência do direito à habitação e à cidade, leva Alexandre Alves a Costa[5] a considerar que «tínhamos a percepção de que, além das construção e concretização de uma política de habitação, o SAAL foi terreno para uma reflexão sobre a cidade e o estabelecimento de novas metodologias de intervenção que, tendo como princípio os mecanismos da democracia directa, garantissem o direito à cidade e ao lugar, como travões à sua estratificação classista e à especulação imobiliária, bem como o compromisso com todo o património edificado e com os seus valores históricos e culturais» (Alves Costa, 2014, p.10).
Num debate promovido na Associação de Moradores da Bouça sobre O SAAL, o arquitecto Álvaro Siza Vieira reafirma o seu pensamento, de que com o SAAL a preocupação do projectista «vai desde a sala e o banho até à cidade».

Com a Operação SAAL (serviço Ambulatório Local) programa desenvolvido entre Agosto de 1974 e Outubro de 1976, criado pelo Despacho conjunto dos Ministérios do equipamento Social e Ambiente e da Administração Interna em 31 de Julho de 1974, com o intuito de dar apoio às populações que se encontravam alojadas em situações precárias, o SAAL surgiu como um serviço descentralizado que, através do suporte projectual e técnico dado pelas brigadas que actuavam nos bairros degradados, foi construindo casas e novas infra-estruturas, foi oferecendo melhores condições habitacionais às populações mais carentes (Alves Costa, 2014, p.13).
Neste enquadramento de princípios e de metodologias de intervenção e participação, envolvendo os moradores, as comissões e as associações, na definição de um programa para melhor resolver as carências habitacionais, aparece logo a ideia de que toda a filosofia do SAAL é contra qualquer tipo de intervenção que deslocalize os moradores dos seus locais de residência. Este princípio é possível com um suporte político revolucionário de expropriações e de tomadas de posse administrativas imediatas dos solos e bairros disponíveis para responder a estas carências e respeitando o direito ao sítio e à morada.

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[1] Antropólogo e Investigador no Centro de Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho. Director do Laboratório de Habitação Básica e social. Mestre em Antropologia Social pelo ICS da Universidade do Minho, prepara tese de doutoramento sobre Antropologia e Sociologia da Habitação no ICS – Minho. Licenciado em História e Especialista em Estudos Medievais pela FLUP. Concluiu o Curso de Doutoramento em Teoria de Arquitetura e Projecto Arquitectónico na ESTA-Univ. Valladolid Espanha. Fundador e director da Revista Ruralia (1987-1994); e Director da Revista Cadernos ESAP (1997-99). Professor de Antropologia do Espaço no Curso de Arquitectura MIA- ESAP (1991-2014). Leccionou a cadeira de Teoria da Arte na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico da Guarda (2000-2001), orientou o Seminário sobre Espaço Urbano na Pós-Graduação em Cidade e Planeamento na Faculdade de Arquitectura da Universidade Lusíada / Famalicão (1998-2000).
[2] Cfr. Livro Branco do SAAL 1974/1976, 1976, págs.9 e ss.
[3] Cfr. “SAAL. Perspectivas para uma crítica” in CIDADE E CAMPO (José A. Ribeiro, Editor) N.º 2. Movimento Popular E Prática Urbanística em Portugal. Lisboa, Ulmeiro, 1979, pp.7-15. Aliás, como se pode ler nesta introdução ao tema do SAAL, que «em plena vigência do segundo Governo provisório, certo é que, frente a frente, ficavam, a partir de então e de um modo diferente, aparelho de Estado, moradores de bairros pobres e degradados (barracas, ilhas ou clandestinos) e técnicos ligados às questões da habitação e do planeamento que por diversas formas se vieram a relacionar entre si levando assim a cabo e ao longo de mais de dois anos aquilo que foi uma das mais ricas experiencias conhecidas no campo da habitação”. Foi sem duvida, a partir deste programa que se desenvolveu um processo que associando teoria e prática, participação e mediação, luta e consciência social, integrados numa nova metodologia de desenho, entendendo projecto e construção como uma espécie de síntese de uma actividade multidisciplinar resultante da relação constante entre os técnicos da brigada e moradores, a coordenação dos responsáveis do Fundo de Fomento de Habitação e a relação nada pacífica com os técnicos das Câmaras Municipais.
[4] Cfr. Vieira, Alvaro Siza (1987) “O 25 de Abril E A Transformação da Cidade” in Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 18/19/20 . Coimbra, Ed. Centro de Estudos Sociais da Univ. Coimbra, pp.37-40.
[5] Ver por exemplo, Prefácio de Alexandre Alves Costa in O Processo SAAL e a Arquitectura no 25 de Abril de 1974, de José António Bandeirinha.