domingo, 26 de maio de 2013

O Efeito Mobbing em torno da Habitação. Processos de resistência e de intimidação na cidade do Porto

Por Fernando Matos Rodrigues[1]
       Fábio Rodrigues Azevedo[2]


Esta intervenção pretende trazer para o debate os problemas da habitação e do direito à habitação e à cidade, em torno da habitação social e popular na cidade do Porto.

Ao longo destas últimas décadas temos acompanhado e estudado este fenómeno no âmbito da cadeira de antropologia do espaço no Curso do Mestrado Integrado em Arquitectura da Escola Superior Artística do Porto (ESAP). Desde hà vários anos que tem sido nosso propósito estudar a habitação popular na cidade do Porto, em torno das “Ilhas” e dos pequenos bairros.

Elaborando relatórios a partir de uma pesquisa intensiva com base nas técnicas e métodos de estudo antropológicos, como é o caso do trabalho de campo com observação participante.

A partir daqui, foi-nos possível compreender os fenómenos e os processos de resistência dos moradores das “Ilhas” e dos “Bairros Populares” da cidade, perante os processos de intimidação que se foram aplicando. Estes processos de intimidação foram sendo estruturados de várias formas e feitios. Umas vezes de forma dissimulada, com a definição de planos e de intervenções urbanísticas que levaram a uma consequente especulação do solo urbano e a um aumento de pressão sobre os antigos moradores.

Destacamos os planos de recuperação de algumas destas zonas antigas da cidade com a introdução de novos equipamentos e infraestruturas.Um dos últimos programas "Operação De Reabilitação Urbana Das Fontainhas" (2001), associado ao Programa Especial de Realojamento (PER). Estamos perante intervenções que têm como principal objectivo reocupar os bairros com outras funções e outros clientes. Os governos da cidade são aqui pouco claros, mas os seus técnicos e as suas instituições são claras e objectivas no que se refere à necessidade de intervir nestes cascos, mas omissas e silenciosas sobre os destinos das populações aí residentes. São os exemplos dos Bairros / Ilhas da Capela, Olimpia e Maria Victorina, num total de 164 casas e com 148 habitantes. A deslocalização e realojamento destes moradores para os bairros do Cerco, Aleixo, Lagarteiro, Falcão, etc. 

Assim, quando alguém decide mudar a forma e a vida de um bairro, a primeira medida a tomar é declarar como obsoleta e anacrónica a tipologia, lançar um olhar “sanitário e higienista” sobre as formas de organização social. Aparece o estigma, a exclusão e a deslocação.

Fernando Távora, em Relatório (1968) sobre a complexidade do Realojamento e Deslocalização dos antigos moradores, considera que «temporário ou definitivo, no local ou fora dele, o realojamento cria em geral complexos problemas nos homens que dele são vitimas. Cortes nas relações e de laços sociais e humanos, manifestações de segregação, problemas profissionais ou de transporte. Tudo são factores de traumatismo que a mudança de habitação pode provocar»; mais afirma que «resolver o problema da casa não é tudo, por vezes, não é mesmo resolver um dos problemas mais graves, mas apenas significa criar outros problemas, como a deslocalização e desalojação».


Depois, elabora-se um Plano “perfeito” de linhas rectas e curvas, desenhos “bonitos”, maquetas em 3D, encomenda-se um “Relatório” sobre as questões sociais e culturais a um qualquer gabinete de uma Universidade da cidade que fundamentará a intervenção em nome de uma existência melhor.

De seguida, vai-se propor ofertas de realojamento, que prejudicam sempre aqueles que não podem assumir as novas condições que indirectamente se lhes acaba de propor com a nova intervenção.

Simulam-se práticas de participação para dividir os vizinhos afectados com a nova intervenção. No fundo, vamos submeter os moradores destes bairros a uma grande pressão que os obrigue a abandonar a sua residência (a sua casa, como gostam de lhe chamar). Deixando, o espaço livre aos planos de refuncionalização dos seus bairros. No Porto fomos assistindo à construção de um espaço estilizado, elitizado e especulativo na parte antiga da cidade. 
  
Invocando as palavras mágicas da “reabilitação”, da “regeneração” e da “renovação” as entidades locais de mãos dadas com os promotores imobiliários transformam estas “ilhas” e estes “bairros populares” em zonas residenciais para as classes médias e altas. Deslocando os antigos moradores para outras soluções de habitar que em nada dignificam a sua vida e a sua forma de cultura urbana. São populações inteiras que se deslocam, se dispersam, por entre as torres e os blocos sociais da periferia. Destruimos laços de vizinhança, fragmentamos a vida social, separamos famílias inteiras, interrompemos histórias de vida comuns.

É todo um drama social que se abate sobre a cidade.

Os poucos bairros que resistem vivem numa absoluta agonia, perante um destino incerto e quase sempre condenado à destruição. Numa cidade em que o maior problema ainda,e digo ainda, é o da habitação. Será que faz sentido deitar casas abaixo, destruir bairros inteiros, deslocar os seus moradores. Criar um problema social em vez de resolver aqueles que nos afectam.

Mas, que soluções?

Propomos uma valorização do habitar nas “ilhas e bairros populares da cidade”. Qualificando estruturas e equipamentos que se encontram em estado de ruína e de abandono sistemático de anos e anos de indiferença por parte dos organismos estatais.

Uma intervenção participada entre moradores, associações de moradores, juntas de freguesia, e poderes locais e centrais, de forma a dotar estes pequenos bairros das condições para um habitar inclusivo e amigo da pessoa, da família e da sociedade.

Em Portugal, foram várias as formas de intervenção na área da habitação social. O Estado Novo com o programa das Casas Económicas (1933), os Privados, e as Instituições Sociais e Matriz Religiosa. Depois, com o 25 de Abril assistimos ao processo SAAL que introduziu a auto-construição em processos participativos. Os Blocos e as Torres. As Cooperativas. Por ultimo, os imobiliários especulativos. 





[1] Antropólogo do Espaço. Professor no Mestrado Integrado em Arquitectura ESAP. Mestre em Antropologia pela Univ. do Minho; Curso de Doutoramento em Teoria da Arquitectura e Projecto  Arquitectónico pela ESTA da Univ. de Valladolid; Doutorando em Antropologia e Sociologia no ICS da Universidade de Braga, com a investigação sobre “Habitação Para Todos. Processos de Resistência no Direito à Habitação e Cidadania Activa”. Coordena a implementação do Laboratório Habitar e Sociedade XXI.
[2] Arquitecto. Mestre em Arquitectura pela Escola Superior Artística do Porto com a tese sobre “As Ilhas do Porto. Proposta de Habitação Básica em Processos de Auto-Construção”; Faz parte do Grupo de Estudos sobre as Ilhas do Porto integrado no Laboratório Habitar e Sociedade XXI, em implementação.

A Cidade da Reabilitação - políticas públicas e privatização do espaço urbano

Nota: muito brevemente neste blog.