segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Cidade POST IT - da reabilitação à renovação urbana

           O problema da cidade do Porto está inteiramente associado ao modelo de planeamento que se tem aplicado na nossa área metropolitana, e que assentou numa excessiva e caótica especulação urbana, associado a processos espontâneos de ocupação do espaço nas zonas periféricas ao centro densificado da cidade, bem como o aparecimento de bairros de habitação social que concentraram populações deslocadas dos seus locais de residência; potenciando uma consequente expansão dos subúrbios, espaços urbanos de baixa densidade e qualidade urbanística e arquitectónica, associados a territórios de elevada exclusão social e cultural.
Este fenómeno de desconcentração da cidade do Porto, em beneficio de uma crescente periferia emergente, conduziu a cidade e a sua área metropolitana (AMP) para uma espécie de cidade difusa, fragmentada e deslocada; com resultados negativos na mobilidade e nas acessibilidades dentro e fora da cidade do Porto. Crescem as cidades dormitório, sem regra e sem lei, numa lógica de puro mercantilismo imobiliário, associadas a interesses que cortam transversalmente os poderes políticos, económicos e financeiros.
Perante uma cidade cada vez mais sombria e desolada, em termos arquitectónicos e ambientais, as intervenções de politica urbana são de sentido pontual e cosmético, limitam-se a simples programas mais ou menos especulativos, dando origem a intervenções arquitectónicas de duvidosa qualidade e de necessidade urbana por justificar. São vários os exemplos, que vão desde a intervenção no Jardim da Cordoaria, Praça Gomes Teixeira, Praça da Batalha, Praça de Lisboa/Clérigos, Teatro Rivoli, Avenida da Boavista, Ribeira, etc. Os problemas urbanos e sociais de fundo continuam por resolver e não se vislumbra nenhuma politica dura e sustentável por parte das entidades locais, metropolitanas e mesmo nacionais.
A reabilitação urbana resume-se a um conjunto de práticas urbanísticas e arquitectónicas, que favorecem a construção de grandes densidades, alterando escalas, formas arquitectónicas e modos de habitar, e desta forma fortemente especulativo e a médio prazo insustentável na forma e na função. O Porto continua velho, deprimido, periférico e abandonado. Paradoxalmente, assistimos a uma espécie de privatização da cidade em função de um urbanismo especulativo, que vê na reabilitação urbana um instrumento eficiente ao serviço de uma crsecente especulação imobiliária, fundamentada nos pressupostos de uma arquitectura fortaleza e da enfâse da segurança. A privatização do espaço urbano n a cidade do Porto, dá origem ao aparecimento de «enclaves», uma espécie de parques temáticos (condomínios fechados - classe A) que se caracterizam pela arrogância, pela intimidação, uma espécie de novo apartheid urbano; noutros casos, estes «enclaves» traduzem-se na construção da cidade castelo, fechada e enclausurada sobre si mesma. No fundo, um conjunto de práticas urbanísticas e arquitecturais que favorecem a multiplicação de grandes complexos, que concentram tipologias monofuncionais, exclusivamente comerciais, residenciais, educativas; privilegiando a monofuncionalidade, o zonamento económico em detrimento da multifuncionalidade, da complexidade e da heterotopia urbana.
Este fenómeno tem conduzido a cidade para uma espécie de cidade-objecto, de cidade-colagem, em claro detrimento da cidade dos homens. Uma cidade-colagem que faz da a apologia da reabilitação urbana a partir de planos grandiosos, baseados no zonamento («zonning») monofuncional gerador de colagens de espaços e misturas altamente diferenciadoras; a partir de uma lógica de excessiva especialização das tipologias e modelos, conduzindo à banalidade dos lugares, à uniformidade arquitectural e à insustentabilidade das paisagens urbanas. Tudo isto, em detrimento da renovação urbana que faz da apologia da complexidade da vida urbana, esta sim, baseada num desenho da cidade assente em princípios de sustentabilidade ecológica, económica e  social.
É a afirmação da cidade dos três "C" - uma cidade que tem como valores a complexidade, a compacticidade  e a coesão social.
Este fenómeno de associar reabilitação e especulação imobiliária, foi e é muito comum nas grandes cidades europeias; por exemplo, a renovação da área de Docklands em Londres, insere-se neste processo de reciclagem urbana, através da renovação de edifícios em bairros degradados que se destinam ao uso de grupos com muito poder económico-financeiro e politico.Estamos perante, pessoas individuais ou colectivas das classes mais altas ou grupos económicos poderosos, isto é, delimitam-se zonas de reabilitação urbana sem resolver os problemas de fundo da cidade, como por exemplo, a renovação e requalificação dos tecidos sociais, económicos e culturais da cidade.
O mesmo se passa na AMP, ver por exemplo, a intervenção na frente ribeirinha de Gaia, com a aplicação do seu MasterPlan, instrumento para a renovação e reabilitação desse casco antigo.
Uma resposta política que deveria ser firme, perante este grave de envelhecimento da cidade, e contudo o poder político limita-se a reabilitar, a repintar ou a limpar fachadas, como se a recuperação da cenografia urbana fosse a única coisa que se pode fazer pela nossa cidade. Ver por exemplo, as sucessivas intervenções na frente ribeirinha da cidade do Porto, aquando da programação da Porto 2001.
Deslocam-se ou deportam-se antigos moradores da Ribeira para os caixotes em altura do Lagarteiro e do Aleixo, agravando situações e potenciando conflitos urbanos nas zonas periféricas. Pressionam-se os moradores do Bairro do Leal (Santo Ildefonso), do Bairro da Corujeira (Campanhã, actualmente demolido pela CMP), demolindo casas, criando situações de ruptura e de insegurança urbana, em nome da reabilitação urbana da cidade. Propoêm-se programas absurdos de reabilitação para o Mercado do Bolhão, como se se tratasse de uma politica integrada de renovação da cidade, através da valorização e da qualificação do património arquitectónico e dos usos e funções socio-económicas da sua matriz original.
No fundo, estamos perante, uma politica que assassina a memória, a identidade e a cultura urbana portuense, em beneficio de uma cidade de postiços e de falsas fachadas.


Nota: Este artigo foi publicado no Jornal Público, 2006.

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