segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Vértigo e Paixão...



O dia 24 de Novembro foi um momento de exaltação e de comunhão com as nossas «Ilhas», os nossos bairros e suas comunidades.

Pelas nove horas da manhã.

Lá estavam quase todos, na praça da Casa da Musica, símbolo da cidade renovada e estilizada. Máquinas na mão, casacos apertados que se fazia um frio miudinho que teimava em resistir a uma bela e doce manhã de sol a espreitar.

Entre a palavra, o café e o aperto de mão, um abraço ali e um beijo acolá. O bom dia ia rompendo para os lados da Boavista.

Estudantes, professores, profissionais de outras profissões, políticos, e amigos lá se preparam para este roteiro em prol da cidade, do direito à cidade e acima de tudo em defesa da qualidade de vida numa habitação que se quer digna e acolhedora para todos sem excepção.

Por entre as ruas de quarteirões onde o sol já espreitava, os gatos de mansinho lá acordavam numa preguiça sem pressas nem correrias.

As vozes, os caminhares, os olhares, os corpos entravam em corredores estreitos, com portas pequenas e diferenciadas. Umas de madeira, outras de chapa, umas a roçar a memória gasta dos tempos que lá passaram. As casitas encavalitadas na malha apertada dos muros de granito, abrem-se para o interior dos pátios e dos seus infinitos corredores mouriscos.

Nos telhados os gatos dançam uma espécie de luta territorial, pela posse dos seus micro-espaços, a partir dos quais controlam a ilha e avistam os intrusos.

Toda a manhã vai ser uma espécie de romaria, de visita às casas, falar com as pessoas que simpáticas nos abrem as portas dos pátios e das casas. Queixam-se das fragilidades da construção, as humidades, os espaços exíguos, a falta de obras nos telhados. O preço das rendas que já andam entre os 230 euros e os 450 euros. Uma situação insustentável atira-nos Amélia «Alí. Naquela casa, pagam 450 euros». E conclui «ficam aqui três meses e depois mais ninguém os vê».

As rendas novas como gostam de lhes chamar são caras para os jovens, e, inacessíveis para os velhos com reformas entre os 190 e 300 euros.

Outras há, onde as rendas são insignificantes.

D. Maria paga dois euros de uma renda antiga.Numa casa onde a senhoria deixou de fazer obras há décadas. É a dona Maria que faz as obras na cozinha, instalou o quarto de banho, restaurou o telhado, as canalizações novas, ligou o saneamento à rede pública. O problema é que na casa do lado, o abandono deu lugar à ruína. As infiltrações na sua casa são uma constante, destruindo-lhe a sua que com tanto gosto e custo lá foi arranjando.

As Ilhas são o reino da mulher espaço do género. São as mulheres que tratam do espaço interior e exterior. Arrumam, tratam dos vasos, dos gatos, dos cães e de todos bichos domésticos que por lá aparecem. E dos maridos também. Nenhum, mesmo nenhum animal é abandonado por estas mulheres que tratam os gatos vadios como seus, com direito a mimos, a comida, e, de vez em quando lá entram no interior da casa, para fazer umas festas à sua dona adoptiva.

No fundo. As Ilhas são assim, um espaço de dar e de hospedar quem chega. Não se faz diferenciação pela cor, pela raça, pelo credo, pela cultura ou formação. Espaço de liberdade, de fraternidade, onde todos se podem agrupar nos silêncios e nas partilhas.

Nas ilhas a musica toca alto, acorda-se tarde ao domingo, as pessoas tal como os gatos adoram o sol, a conversa nas esquinas das entradas, e teimam em continuar a viver nestes espaços pequenos mas carregados de poética e de memória. Onde o tempo é teimoso e demasiadamente humano.

Nestas ilhas respira-se cidade, património e identidades.

Os seus moradores mesmo vivendo em condições onde ainda faz falta qualidade de abrigo, de conforto material, de iluminação nos corredores estreitos, percebem as vantagens daqui viver.

Estão no centro da cidade, integrados e com boa vizinhança. O pouco trabalho que ainda vão aparecendo existe por estes lados. No apoio aos idosos que moram nos prédios ou em casas unifamiliares da vizinhança, nos cafés e restaurantes, nas pequenas oficinas, a dar horas em serviços domésticos e biscates. São homens e mulheres a dias, são biscateiros, mas a maioria é reformada pelas décadas de trabalho nas antigas industrias que por aqui foram nascendo, crescendo e morrendo. Já poucas aqui moram e muitas já que não existem.

Vamos encontrando moradores cada um com o seu próprio trajecto de vida. A sua antiga profissão confunde-se com a própria vida que a sociedade nunca lhes deu como deles.

Homens e mulheres, que cresceram demasiadamente depressa, a quem a sociedade e o regime do tempo lhes roubou a infância e lhes incutiu a moral do trabalho. Só conheceram o mundo do trabalho e o descanso do domingo, por entre os relatos do futebol, transmitidos pelo rádio e mais tarde com o direito ao sofá e à tv.

Mas, isso, foram luxos que o 25 de Abril lhes trouxe com muita paulada e fome à mistura.

Neste dia a Exma Câmara Municipal do Porto fez-se também representar, nos senhores vereadores da Habitação e Acção Social Dr Manuel Pizarro e do Urbanismo Prof. Arqto Correia Fernandes. Pela valorização das Ilhas e bairros populares do Porto.

Pela primeira vez a Exma Câmara liderada pelo Dr Rui Moreira, apresenta-se não para erradicar as ilhas e os bairros populares mas para lhes dar outra dignidade e outra qualidade.

Neste dia, não foram entaipadas casas, nem demolidas ilhas, nem deslocadas pessoas. Neste dia celebramos a comunidade e a vida nas ilhas e bairros populares.

Demos a conhecer a portugueses, mas também a italianos, franceses e brasileiros as nossas «Ilhas» e os nossos Bairros Populares. Num sentimento comum de afirmação do Direito à Habitação e à Cidade. Sem deslocação e sem realojamentos impostos a comunidades de direito.






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